Escola também é lugar de política?

O que mais preocupa a UNE nesta conjuntura política? Quais são as prioridades do movimento?

O que nos preocupa é o flagrante ataque que a nossa jovem democracia vem sofrendo. O objetivo disso, estamos vendo a partir do governo interino que se instalou, é o ataque às conquistas sociais dos últimos anos, entre elas a educação, que foram resultado das nossas reivindicações por muitas décadas.

O possível fim de programas como o Fies e o Prouni e a cobrança de mensalidades nas universidades públicas são medidas já sinalizadas pelo governo.

Nós não aceitamos nem um direito a menos.O que vivemos hoje é um governo que não representa os estudantes, nem as mulheres, os negros, os LGBT, e que ameaça a educação e outros direitos fundamentais. A UNE defende a valorização cada vez maior dos professores, o piso nacional, formação digna e continuada, além de mais investimentos no sistema de ensino no geral.

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A UNE quer uma escola que tenha a cara do jovem, com melhor estrutura, gestão democrática, eleição paritária para diretores, tecnologia de ponta à disposição e, claro, uma merenda de qualidade. Lembramos que aqueles que defendem o golpe no país, são os mesmos que fazem vista grossa para não investigar a fundo o escândalo da merenda e o descaso que governos como o de São Paulo, têm com a educação. Tudo está conectado!

O governo interino de Michel Temer foi criticado na imprensa internacional por não ter nenhuma mulher no alto escalão. Tanto a UNE como a UBES são presididas por mulheres. O que isso representa no atual cenário político?

O governo de Michel Temer representa esses setores conservadores que ainda são guiados por práticas machistas. É um governo que enxerga a mulher apenas para ser “bela, recatada e do lar”. Infelizmente, posso me considerar uma exceção, porque as mulheres brasileiras ainda estão longe dos espaços de liderança.

Quantas mulheres são governadoras, prefeitas, senadoras e até mesmo deputadas? A porcentagem ainda é mínima. Por isso, defendemos uma reforma política que inclua, não só mais mulheres, mas também mais negros, indígenas e LGBTs exercendo cargos políticos.

O movimento estudantil, com a força das mulheres que dele fazem parte, levou hoje as três principais entidades nacionais – UNE, UBES e ANPG – a serem presididas por mulheres.

O movimento social como um todo tem mudado: já vemos mulheres coordenando mesas de debates e em direções importantes nas organizações. Mas ainda, lamentavelmente, a cultura do machismo está muito presente na nossa sociedade, que até mesmo em ambientes progressistas como alguns em que a UNE participa, presenciamos, às vezes, práticas machistas. Por isso, temos um grito de ordem que diz: – “A nossa luta é todo dia contra o machismo, o racismo e a homofobia”.

Os estudantes secundaristas estão ocupando escolas públicas de todo o país. Em São Paulo, conquistaram a CPI da merenda. De que maneira a UNE/UBES participa desta conquista e qual sua importância para a sociedade brasileira?

A UNE está apoiando a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), nossa entidade irmã, nessa onda fantástica e histórica de ocupações de escolas em todo o Brasil. Ocupamos a Assembleia Legislativa de São Paulo com o objetivo de denunciar um dos maiores escândalos que já ocorreu no Estado de São Paulo, que foi o roubo e a fraude da merenda nas escolas. Roubar merenda é um ato inaceitável! Os responsáveis têm que ser punidos imediatamente.

Vamos pressionar para que a CPI da Merenda avance na Assembleia, investigue e mostre quem está por trás. Além disso, as escolas estaduais de SP estão sucateadas e o governo do estado, promove às escuras uma reorganização que prejudica as famílias e o desenvolvimento dos estudos dessa juventude. Então, é preciso dar visibilidade para todas essas questões.

Em algumas escolas ocupadas em Porto Alegre, existe uma preocupação de alguns estudantes e professores, em misturar o movimento com a política. Há como separar essas duas coisas?

Quando a gente começa a negar a política, quem sai perdendo somos todo nós, e quem sai ganhando são eles, os políticos corruptos que comandam a política há décadas por meio do dinheiro, da corrupção e do autoritarismo. Por exemplo, temos o discurso dos ministros empossados, sempre com esse viés de que vão fazer uma gestão sem partidarismo. Sabemos que isso é conversa para boi dormir.

Eles vão governar para os seus interesses, sem pensar em melhorar a vida do povo. Então, o que quero dizer, é que não devemos misturar o movimento com o que existe de podre na política, com o lado errado e desinteressante da política. E não podemos confundir política com partidos.

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A grande maioria dos jovens que ocupam as escolas não têm nenhum partido e ainda assim fazem política todo dia: a boa política, a política de reivindicação dos seus direitos.

Comente o impacto da mercantilização do ensino na qualidade da educação.

O ensino privado no país precisa urgentemente ser regulamentado. A UNE defende a criação do INSAES, o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior, um órgão federal que terá autonomia para fiscalizar, punir e até fechar instituições que não cumpram, por exemplo, com a qualidade do ensino.

Porém, o que nos assusta é a ligação com grupos educacionais privados que têm ações na bolsa de valores, que tratam a educação como se ela fosse uma mercadoria. Não há interesse legítimo na pauta educacional, tanto é, que o governo recebe propostas para a Educação do ator Alexandre Frota, o qual tem um mínimo de conhecimentos na área.

A UNE está atenta para que não ocorra nenhum retrocesso em programas como o Prouni, o Fies e as cotas, pois já foi anunciada uma tendência de que essas iniciativas recrudesçam daqui para frente. Também não vamos permitir que avance a proposta de cobrança de mensalidades nas universidades federais: nossa luta é e sempre será por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Fale sobre o novo perfil do estudante universitário, surgido a partir dos programas de inclusão do governo. Quem é este novo estudante?

É um perfil muito diverso. Nas minhas visitas às inúmeras instituições de ensino e nas atividades da qual participo, posso perceber que houve uma mudança muito forte sobre aquela antiga ideia de que a universidade era somente para os fi lhos da população rica, branca, moradora dos bairros nobres.

Hoje, a periferia também está lá, os negros, as filhas e filhos dos trabalhadores. A UNE está, inclusive, desenvolvendo uma pesquisa sobre esse tema e em breve poderemos falar com mais propriedade.

Muitas vezes, esse jovem que chegou ao ensino superior pelas cotas, Prouni, Reuni, foi o primeiro da sua família a conseguir concluir uma faculdade, e isso acaba mudando a sua realidade, a da sua família e também aquele mundo ao seu redor.

Como você enxerga os embates políticos nas redes sociais e que ações podem ser realizadas no sentido de buscar a tolerância em meio aos conflitos?

É necessário tentar humanizar o debate nas redes e promover a tolerância e o respeito. Porém, não há como imaginar a tolerância em meio a atos criminosos que também estão nas redes, como racismo, homofobia, machismo, calúnia, difamação, ataques pessoais que nada têm a ver com a disputa de ideias.

Essas ofensas devem ser denunciadas e punidas. Não é aceitável que pessoas sejam agredidas verbalmente e, algumas vezes, até fisicamente, por causa das suas ideias. Isso é ditadura; isso é totalitarismo. O que eu sempre defendo é a boa argumentação, essa sim é saudável para o país.

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